Sobre referências antigas, por incrível que possa parecer, e ao contrário do que muitos pregam, na Bíblia Sagrada existem várias referências a prática salutar do desporto!
Alfred Pfeiffer consigna estas referências, no sentido de que, “Destas modalidades Paulo cita, antes de tudo, a corrida no estádio. 2 Tim. 4,7; Atos 20,24; 1. Coríntios 9,24; Filipenses 3,14. A seguir fala da luta livre. Filipenses 6,2. Em Coríntios 9,26 também menciona o boxe. Além de Paulo, ainda Hebreus 12 cita tal exemplo” (sic). [i]
No Brasil, o desporto ocupa lugar de destaque na sociedade, notadamente na modalidade de futebol de campo, onde, reconhecidamente, o País é referência mundial, e realiza, desde o início do século XX, inúmeros campeonatos, através das entidades de administração, envolvendo diversas associações desportivas.
Com a realização de tais campeonatos, e das partidas que os compõem, segundo o comentário de Marcílio Ramos Krieger, surgem duas espécies de infrações: às das regras do jogo, que são as violações às regras e normas específicas de cada modalidade, emanadas das entidades internacionais e nacionais, que impedem o desenvolvimento regular do desporto formal durante a partida, como por exemplo, praticar ato desleal ou hostil (numa disputa de bola, p.ex.), e as das normas desportivas em geral (ou transgressão à conduta desportiva), que são as demais violações, por ação e omissão, à disciplina e a organização do desporto (incluir na equipe, atleta em situação irregular para participar de partida, p. ex.). [ii]
Assim, ocorrendo a infração, surge o direito e o dever de punir da Justiça Desportiva, que através dos órgãos competentes e obedecidas as prescrições legais específicas, reprime estas atitudes antijurídicas, por parte de quem as tenha praticado.
A conceituação da Justiça Desportiva pode ser assim definida, nas palavras de Paulo Marcos Schmitt, como “o conjunto de instâncias desportivas autônomas e independentes, consideradas órgãos judicantes que funcionam junto a entidades dotadas de personalidade jurídica de direito público ou privado, com atribuições de dirimir os conflitos de natureza desportiva e de competência limitada ao processo e julgamento de infrações disciplinares e procedimentos especiais definidos em códigos desportivos”. [iii]
Ou seja, a Justiça Desportiva é um meio alternativo de solução de conflitos de interesses, porque não é vinculado ao Poder Judiciário (tendo em vista que os seus órgãos possuem prerrogativas e atribuições contidas na Constituição), não recebendo também o mesmo tratamento da arbitragem contratual, e apesar da doutrina mencionar que se constituiria em uma instância administrativa (somente para diferenciá-la da instância jurisdicional), apenas exerce sua atividade no âmbito privado.
Por Miguel Reale, também poderia ser definida a Justiça Desportiva como uma das ordenações jurídicas não estatais, considerando que “na realidade, existe Direito também em outros grupos, em outras instituições, que não o Estado”. [iv]
Corroborando o entendimento, serve como parâmetro o seguinte Julgado do colendo Superior Tribunal de Justiça, assim ementado:
CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA – NATUREZA JURÍDICA – INOCORRÊNCIA DE CONFLITO.
[STJ, CA nº 1996.00.57234-8 / SP]
Cabe ainda afirmar, que ao contrário de que se possa imaginar, a Justiça Desportiva não é competente para apreciar e julgar questões trabalhistas que decorram de contrato formal de trabalho entre o atleta e o clube (associação), mas sim a Justiça do Trabalho, na forma do art. 114, I, e art. 217, § 1º, da Constituição Federal de 1988 (CF/88).
Esta Constituição Federal, ainda vigente, inovando em relação as suas antecessoras, dispôs expressamente no seu Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo III (Da Educação, da Cultura e do Desporto), na Seção III, sobre o Desporto, e por consequência, sobre a Justiça Desportiva, constando do seu art. 217, que é “dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um”.
Mas, conforme prevê Pedro Lenza, “Se, por um lado, o papel do Estado é de fomento, por outro, o papel de prestação foi atribuído às entidades desportivas dirigentes e associações com autonomia para a sua organização e funcionamento (art. 217, I), significando importante desdobramento da regras contidas nos arts. 5º, XVII, e 8º da CF/88” [grifos no original]. [v]
Como já anteriormente frisado, apesar de prevê-la e garantir sua autonomia, a CF/88 deixou a Justiça Desportiva fora do organismo do Poder Judiciário, expresso em seu art. 92, mas por outro lado, conforme ainda explanado Pedro Lenza, “estabeleceu verdadeira condição deprocedibilidade para a apreciação jurisdicional das questões relativas à disciplina e às competições desportivas, uma vez que o Poder Judiciário só admitirá ações de tal natureza, após esgotarem-se as instâncias daJustiça Desportiva, que terá o prazo máximo de 60 dias, contados da instauração do processo administrativo, para proferir a decisão final”. [vi]
Apenas nesta circunstância (infrações disciplinares), necessário a decisão final ou de aguardar o prazo acima, sendo que nas demais, tendo havido lesão a direito, na forma do art. 5º, inc. XXXV, da CF/88, é assegurado o direito de ação perante o Poder Judiciário, devendo considerar-se, ainda, o entendimento consagrado de Miguel Reale, que mesmo no caso das ordenações jurídica não estatais, “O Estado é o detentor da coação em última instância”. [vii]
Urbi et orbi!
[i] A corrida para a vida eterna (Os quadros bíblicos do esporte!). São Bento do Sul: Distribuidora Literária da Sociedade União Cristã, [196-?], p. 3.
[ii] Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Brasil: Ministério do Esporte, 2004, p. 80.
[iii] Curso de Justiça Desportiva. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
[iv] Lições preliminares de direito. 24ª ed., 2ª tir., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 77.
[v] Direito constitucional esquematizado. 13ª ed., rev., atual., e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 828.
[vi] Idem, p. 830, grifos no original.
[vii] Idem nota IV.